25 anos, registo record de longevidade para a águia de Bonelli
Esta é uma história que começa sem anilha. Para ser mais precisa, as anilhas existiram mas algures no tempo perderam-se. Felizmente, a ave em questão, uma espécie ameaçada, tinha sido também marcada com placas alares, o que permitiu que muitos anos depois fosse reconhecida.
Foi no dia 17 de março de 2019 que esta águia de Bonelli adulta foi encontrada no Parque Natural da Arrábida presa numa vedação e, por ter ferimentos, foi rapidamente encaminhada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas - ICNF - para o Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa - LxCRAS. A placa verde que tinha numa das asas chamou a atenção, mas não tinha qualquer outra anilha ou marca. Percebeu-se que a marcação era antiga e foi logo contactada a Central Nacional de Anilhagem para tentar encontrar o registo.
Foi assim que se conseguiu então contactar o anilhador responsável pelo esquema de marcação. O biólogo Luís Palma, que estuda e monitoriza esta espécie há algumas décadas, prontamente recuperou os dados de anilhagem deste fenomenal exemplar, com a ajuda de um exame genético. A identificação revelou tratar-se de um macho marcado no ninho com 44 dias de idade, a 9 de junho de 1994 na Serra do Espinhaço de Cão, Monchique. 25 anos, uma longevidade sem registo prévio, interrompida por um infeliz incidente.
Os registos indicam que foi anilhada na pata direita com uma anilha metálica e na pata esquerda com uma anilha de PVC com uma inscrição alfanumérica. Além da marca alar que ainda tinha na asa direita e cujo código de cor indicava tratar-se de um indivíduo de Portugal, foi colocada na asa esquerda uma placa alar vermelha com círculo branco que indicava o ano de nascimento. Nesse ano foram marcados da mesma forma mais 9 juvenis (4 fêmeas e 5 machos), num total de 6 territórios da mesma população do sudoeste serrano (serras de Grândola, Odemira, Monchique e Caldeirão). Como se viu, estas águias em geral arrancam as anilhas, a não ser que sejam as de travão. A marcação com placas alares utilizava-se na altura, num programa ibérico coordenado pela equipa de Joan Real (Universidade de Barcelona), em que cada região tinha o seu código de cor. Foram usadas placas entre 1994 e 1996 e a partir daí só anilhas, até ao ano 2000. A população continuou a ser seguida, mas de forma não sistemática. Um outro indivíduo, marcado em 1996, presumivelmente fêmea foi observado por diversas vezes em 2013 na zona de Castro Verde, teria então 17 anos. Não foi no entanto possível identificar com precisão essa águia e os seus movimentos permanecem um enigma, já que surgiu sempre isolada e de forma intermitente, não havendo outros registos.
Como anilhadora e bióloga num centro de recuperação de fauna selvagem, o ingresso de uma ave anilhada reveste-se de um sentimento muito ambíguo. O motivo da recaptura é algo a lamentar e nem sempre se entrevê um desfecho favorável. Mas por outro lado, a presença de uma marcação permite identificar aquele indivíduo, saber mais sobre a sua origem e contribuir para os programas de monitorização e conservação da espécie. E por fim, nada pode superar a sensação que permanece quando a reabilitação culmina na devolução da ave à natureza, como foi o caso desta águia de Bonelli que pôde ter uma segunda oportunidade no regresso ao seu território, 2 meses depois de ter sido recolhida.
A população é monitorizada pelo ICNF que esteve sempre em estreito contacto com o LxCRAS e que possibilitou também o seguimento deste indivíduo com um emissor GPS/GSM, para além da marcação com anilha metálica e anilha PVC.
O registo reveste-se ainda de particular interesse, já que a longevidade máxima referenciada para a espécie é de 20 anos. Sabemos agora que a espécie pode viver pelo menos 25 anos.
Verónica Bogalho
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